O Governo anunciou, e bem, um conjunto de 15 medidas de modernização e simplificação para facilitar a vida dos cidadãos e das empresas. Destas 15, há uma medida que se destaca pela relação dos fornecedores com a Administração Pública no âmbito do Código dos Contratos Públicos (CCP), seja na fase pré-contratual, seja durante a execução dos contratos públicos.
O CCP publicado em 2008, anunciava-se com as mesmas bandeiras da modernização, simplificação, celeridade e transparência nos procedimentos administrativos, em específico os de contratação pública.
“Digitalizar procedimentos ineficientes, apenas torna os procedimentos ineficientes digitalizados.”
Mas aquilo que se viu, e que ainda se vê, é o exato contrário. Passados 16 anos, os procedimentos de contratação pública mantêm-se opacos, complexos, demorados e a única simplificação que se viu foi a da digitalização.
Os fornecedores e empreiteiros que quisessem apresentar propostas à Administração Publica viram-se obrigados à aquisição de plataforma eletrónica, selos temporais, certificados digitais, atualizações de software e muitas vezes de computadores, mas também a contratação de técnicos informáticos e de advogados ou contabilistas que ajudassem a submeter as propostas ou apresentassem reclamações ao júri e às entidades, e ainda a requisição de um conjunto de documentos de habilitação, como por exemplo, certidões de não dívida ou registos criminais das empresas e de todos os seus sócios.
Tudo isso fez aumentar as despesas das empresas, refletindo-se num aumento de preços econtrariando todos os objetivos propostos, incluindo os de redução de custos de aquisição por parte da Administração Publica.
A verdadeira simplificação e modernização administrativa faz-se por via da reengenharia de processos, cujo objetivo final é a sua otimização e eficiência, essa… essa nunca foi feita e parece que estamos perante mais uma oportunidade perdida.
O que se anunciou agora como “fim de pedidos de documentos habilitantes na Contratação Pública”, nada mais parece ser do que a alteração da forma como as empresas irão disponibilizar, em sede de contratação publica, os documentos de habilitação exigidos.
Aparentemente, obrigando fornecedores e empreiteiros a registo e gestão de mais uma plataforma, aquilo que se pretende é (re)utilizar o moribundo Portal Nacional de Fornecedores do Estado (PNFE) para centralizar e disponibilizar à entidades adjudicantes informação relativa à habilitação dos fornecedores, como por exemplo, certidão de não dívida à Segurança Social e à Autoridade Tributária (AT), Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), Certidão de registo comercial da empresa, Registos Criminais e ainda preenchimento do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP).
Esta poderia ser uma solução interessante, não fossem outras com um potencial de eficiência, redução de custos e celeridade muito superiores.
Imagine-se o caso em que o Estado garantisse a interoperabilidade entre as Plataformas Eletrónicas de Contratação e as instituições habilitantes, como por exemplo: IMPIC, Autoridade Tributária, Segurança Social e Ministério da Justiça, permitindo assim a consulta imediata dos documentos de habilitação, diretamente nessas plataformas.
Os fornecedores e empreiteiros apenas teriam de clicar numa opção obrigatória para poderem avançar com a apresentação das suas propostas: “Na qualidade de representante legal com os poderes para este ato, ao submeter a presente proposta autorizo à entidade adjudicante a consulta dos elementos habilitantes, bem como declaro aceitar sem restrições o conteúdo do Anexo I ao CCP.”
A plataforma imediatamente validaria se o representante tinha de fato poderes para o ato, tal como já acontece com a validação de atributos profissionais por via do Sistema de Certificação de Atributos Profissionais (SCAP), um sistema que faz essa validação de forma automática e completamente desmaterializada, estando em utilização desde 2018, aquando da sua criação pela Portaria n.º 73/2018.
Feita essa validação, sem que o fornecedor ou empreiteiro tivesse de entrar em outra qualquer plataforma, toda a habilitação seria verificada automaticamente.
O mesmo custo de desenvolvimento, a mesma plataforma de contratação já usada para apresentar propostas, garantindo assim todos os benefícios da interoperabilidade, eliminando os documentos de habilitação e o anexo I, encurtando passos, reduzindo custos de contexto, tendo assim uma verdadeira simplificação, modernização e desburocratização de uma parte dos procedimentos de contratação pública.
Mais do que anúncio de medidas avulso, é necessário a reunião de experiência e conhecimentos jurídicos e informáticos, e desta forma avançar com uma efetiva simplificação e modernização administrativa que conduza ao objetivo de, por um lado, otimizar os resultados da Administração Publica e por outro lado, dinamizar a economia e todo tecido empresarial, numa verdadeira relação win-win entre os setores publico e privado.
Artigo publicado no jornal postal.pt, em suplemento ao jornal expresso.pt